O insustentável peso do CNPJ

Facundo Guerra
3 min readMar 8, 2021

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De alguns anos para cá, muito tem se falado de capitalismo consciente, ou negócios que tem a pretensão de alguma maneira fazer bem ao planeta. Sempre tive dificuldade de conciliar capitalismo com moral, talvez por ser cínico demais. Quando dizem praticar o capitalismo consciente, minhas entranhas ficam em brasa: o capitalismo nunca deixou de ser consciente. Ele tem plena consciência de sua única meta: fazer lucro. Conciliar capitalismo e moral, além das ficções criadas pelo departamento de marketing, é pra mim hipocrisia. Vejamos as razões.

Antes de mais nada, uma empresa procura seu propósito porque encontrar um é extremamente lucrativo. O problema é que o propósito não se encontra através de consultorias de branding: propósito não pode ser inventado. Ainda assim, muitas corporações inventam um propósito qualquer, tipo “salvar o planeta”, porque ter um propósito que entre em simbiose com os consumidores de uma marca equivale a gastar menos dinheiro em publicidade, aumentar o engajamento e longevidade de um produto e a um menor investimento no custo de captação de clientes e colaboradores.

Acontece que todas essas empresas que dizem querer salvar o mundo — basicamente qualquer empresa nos dias de hoje que atenda o mercado o consumidor final — quer fazer isso através do incentivo ao consumismo, mantendo a qualidade dos seus produtos baixa para ter o menor custo final possível e consequentemente maximizar o lucro dos seus acionistas. Se a empresa tem suas ações negociadas em bolsa de valores, então, pode acreditar que o tal do propósito que encontraram não vale o ar quente dentro de um pastel de feira. É só um sequestro de discurso de empreendedores. Estes sim eu acredito que tem suas narrativas de propósito ancoradas na verdade.

Para um empreendedor, ter um propósito não se trata de altruísmo ou filosofia hakuna matata: quando um empreendedor cria um negócio ancorado em uma verdade maior e existencial, isso aumenta muito as chances de seu empreendimento ser bem-sucedido, porque a cada dia es†á mais difícil inovar ou diferenciar seu produto da concorrência. Em nome de uma diferenciação, ainda que no campo do discurso e da marca, o empreendedor troca seu lucro extrativista a curto prazo por negócios regenerativos a médio e longo prazo, luxo que as corporações não conseguem se dar, pressionadas pela lógica do crescimento infinito e do máximo retorno para seus acionistas no menor período de tempo.

Em decorrência do problema complexo e histórico que estamos todos vivendo, o aquecimento global que coloca em risco nosso modo de vida neste planeta, consumidores estão se dando conta que podem fazer política com seus cartões de crédito, depositando seus votos de futuro em empresas que se alinham com suas maneiras de pensar. Hoje em dia, ser sustentável já não é sequer um propósito: é o mínimo necessário para se entrar no jogo do mercado de consumo. Afinal, nenhuma empresa coloca na embalagem do seu produto que é honesta ou confiável: são atributos que sequer deveriam ser levados em consideração na hora de fazermos negócio com qualquer entidade (infelizmente, nem sempre é tão simples assim em um país como o nosso).

Se quisermos ter um futuro que nos inclua como espécie, sustentável tem que parar de ser um diferencial de produto.

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Facundo Guerra

Engenheiro de alimentos, jornalista internacional e político, mestre e doutor em Ciência Política pela PUC-SP, diagnosticado empreendedor aos 30 anos de idade.