Obrigado, Raquel

Facundo Guerra
2 min readOct 8, 2021

--

Outro dia fui até o evento de lançamento da empresa de uma amiga, a Raquel Virgínia, mulher negra, trans e genial, criadora, junto de Assucena Assucena e Rafael Acerbi de uma das bandas mais legais da música brasileira recente, as Baías, infelizmente dissolvida.

Raquel lançou a Nhaí!, uma startup que faz projetos de comunicação e consultoria para que as marcas consigam falar sobre diversidade de uma maneira mais natural. Quando Raquel pegou o microfone não para cantar, mas para anunciar sua nova empreitada no mundo dos negócios, sua fala foi de uma simplicidade contundente: sou Raquel Virgínia, mulher trans, negra e CEO.

Ao se definir como CEO, Raquel provocou ondas de choque dentro de mim. Afinal das contas, quantas vezes na vida podemos dizer que ouvimos falar de uma mulher negra trans e CEO? Do alto de minha branquitude narcisista, a imagem de uma pessoa no cargo de CEO é sempre a do homem branco de meia-idade, raras vezes a de mulher, ainda mais raras uma mulher ou homem negros, mas uma mulher negra e trans, me desculpe, eu nunca tinha ouvido falar. Uma mulher negra e trans que não ocupa o lugar social que nossa sociedade estruturalmente racista permite ela, a saber, entertainer, profissional da beleza ou profissional do sexo, é revolucionário.

Na sequência de sua fala, Djamila Ribeiro, a professora e filósofa, nos dá mais uma vez uma aula: precisamos sim olhar para pessoas oprimidas politicamente em outros lugares que não o da dor: precisamos associar o dinheiro, o sucesso, o poder, a mulheres, a negros, a pessoas trans. Não se trata de cobiça, de narcisismo ou de sede de poder por parte dessas pessoas. Quantas vezes a imagem de uma pessoa bem-sucedida teve uma pessoa oprimida como protagonista? Hoje em dia pega até mal ter uma campanha publicitária sem um negro ou uma pessoa de corpo grande, as marcas já se deram conta disso. Mas será que a diversidade vai além da publicidade? Faz sentido: o dinheiro é agnóstico, não importa a quem você venda. No entanto, quando olharmos o organograma da empresa que usa da imagem de minorias políticas em sua publicidade, descobriremos que é raro encontrar uma pessoa que não seja homem, branco, cis e heterossexual em cargos de decisão.

Raquel parece ter completo entendimento, pelo seu lugar no mundo, sua potência e sua inteligência, do problema: se não começarmos a ver grupos minorizados como material para preencher um cargo de CEO, a imagem do sucesso sempre estará associada à branquitude narcisa. Ao ocupar esse lugar, Raquel rompe com essa narrativa de que o sucesso no Brasil tem cor, tem gênero e tem sexualidade definida por nós. Nós podemos, sim, reinventar o mundo. Mas, para mudar nossa sociedade, precisamos de novas narrativas. Novas narrativas sobre o sucesso, sobre o poder e sobre o dinheiro. Mais ainda, novas narrativas com novos protagonistas. Como Raquel.

--

--

Facundo Guerra

Engenheiro de alimentos, jornalista internacional e político, mestre e doutor em Ciência Política pela PUC-SP, diagnosticado empreendedor aos 30 anos de idade.