Facundo Guerra
3 min readApr 13, 2021

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Por que Elon Musk é um péssimo exemplo para os empreendedores?

Eu nunca entendi a adoração que empreendedores devotam aos bilionários. Talvez tenha a ver com o fato de que nós, humanos, precisamos de figuras paternas que nos sirvam de guias ao longo da vida: num primeiro momento, o pai, depois o professor, o padre, o presidente, depois Deus, e assim sucessivamente. Olhamos para cima em busca de inspiração, quando na verdade deveríamos olhar para o lado. Elon Musk, o segundo homem mais rico do mundo segundo a última lista da Forbes, substituiu o lugar de Steve Jobs nos dias atuais como o Jesus Cristo dos empreendedores. Mas por que Elon Musk não deveria servir de modelo para nós, empreendedores voltados para os negócios reais?

Antes de mais nada, não confie em bilionários. São seres completamente descolados da realidade, com fetiche de imortalidade, preocupados apenas com os seus, investigando lugares onde poderão instalar seus bunkers de luxo uma vez chegue o apocalipse decorrente da crise climática que ajudaram a criar. Eu sei que criticar seu ídolo é criticar uma parte de você, e sinto que dentro do leitor começam a se formar contra-argumentos com relação a essa minha desconfiança: e o Bill Gates? E os empregos que os bilionários geram? Quanto ao primeiro, trata-se de uma exceção que confirma a regra. Nos Estados Unidos, a mais filantrópica das nações, apenas um quinto do dinheiro doado pelos maiores milionários vai para os mais pobres: o restante se perde entre salários e custos de manutenção das próprias instituições filantrópicas, além de grande parte das doações se destinar às artes, equipes esportivas e outras atividades culturais (passatempos dos ricos), educação (geralmente as universidade de elite, frequentadas pelos filhos dos doadores) e saúde (também privatizada). No frigir dos ovos, nos EUA ao menos, ricos doam para o usufruto da sua própria comunidade de ricos.

Já o argumento de que bilionários “geram empregos”, bem, eles não “geram” nada. Eles usam da mais-valia: pagam pela energia de outros humanos, como nós, empreendedores, para extrair riqueza do tempo que seus colaboradores devotam a nossos negócios. Ninguém “dá” emprego. Usamos das regras disponíveis para gerar lucros, trata-se de capitalismo 1.0. Portanto, “gerar empregos” não é motivo para a existência de bilionários: isso nós, empreendedores, também fazemos, pagando cargas tributárias muito maiores do que estes homens.

Entenda bem, minha crítica não é diretamente dirigida aos bilionários, mas ao sistema que permite sua existência. Elon Musk ocupa o segundo lugar entre os homens mais ricos do planeta, com 151 BILHÕES de dólares, quase UM TRILHÃO de reais. ⁠⁠Somadas as 100 maiores fortunas do mundo, o valor é de US$ 13,1 trilhões em 2020, valor 60% do que em 2019. Ou seja, no pior ano da história mundial recente, os 100 homens mais ricos do mundo aumentaram sua fortuna em 60%, enquanto que METADE dos brasileiros não sabe o que comerá amanhã e muitos, nesse exato momento, passam fome. ⁠⁠

⁠⁠Nunca a desigualdade social foi tão abissal. E, para que exista um futuro, precisamos diminuir essa desigualdade. Ela é a razão de todos os males de nossa sociedade. É incompreensível que empreendedores em começo de jornada tomem bilionários como exemplo. São homens tóxicos, completamente descolados da realidade, que poderiam usar seu poder incomensurável para transformar de verdade o mundo, mas que com seus jogos de poder e manipulações parecem apenas se divertir lustrando seu ego: para um bilionário, ter a razão e não perder é mais importante do que ganhar dinheiro.⁠⁠

⁠⁠Chegou a hora de nós, empreendedores, pararmos de idolatrar pessoas que já não mais acreditam nos humanos. Precisamos começar a dar valor para o empreendedorismo verdadeiro, aquela da senhora que faz a sua correria pra vender yakult, e não aqueles que acreditam que estão acima do bem e do mal e usam de buracos no sistema em sua vantagem, acumulando fortunas e pagando cada vez menos impostos (veja o caso de Jeff Bezos, os lucros da Amazon, e os impostos por ela pagos, também o caso da Apple).

Dica final: se você realmente deseja colocar alguém num altar, que seja seu cliente, não um bilionário excêntrico. Seu futuro estará mais garantido.

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Facundo Guerra

Engenheiro de alimentos, jornalista internacional e político, mestre e doutor em Ciência Política pela PUC-SP, diagnosticado empreendedor aos 30 anos de idade.