Warhol estava certo

Facundo Guerra
3 min readJun 28, 2021

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Outro dia assisti a apresentação de um pianista que foi transformada em um especial para um canal de streaming, e senti uma pontada de inveja: a câmera mostrava seus dedos rápidos tamborilando as teclas de seu piano com fúria, a lente da câmera lambia seu braço e depois focava em seu rosto contraído pelo transe, os olhos voltados para dentro em êxtase, o pianista acessando verdades que talvez nunca conheceremos. Dava quase para ver a tempestade de impulsos elétricos produzidos pelo seu cérebro que comandava cada músculo de seu ser, piano e pianista formando um binômio.

Eu sempre invejei os artistas. Tenho um enorme respeito por aqueles que conseguem articular esse caos que cada um carrega dos olhos para dentro de uma maneira que seja inteligível pelos demais. Um artista, independentemente do suporte que use para se expressar, cria uma janela para a sua alma e, por consequência, para a alma de nossa espécie — daí a importância da cultura, de consumirmos a arte: ela nos faz enxergar quão bela e potente é a criação e seus criadores, os humanos, ela nos coloca em contato com a beleza não de apenas um homem, mas de toda a espécie. Ela, enfim, é o conduto para a empatia. E o belo é o único refúgio possível nestes tempos de barbárie.

O primeiro a borrar a fronteira entre arte e empreendedorismo foi Warhol. Sempre tive enorme preguiça do artista, mas devo reconhecer que Warhol, como Bowie, era um visitante do futuro: “ser bom nos negócios é o tipo de arte mais fascinante (…) ganhar dinheiro é arte e trabalhar é arte — e fazer bons negócios é a melhor forma de arte”. Existem artistas que muitas vezes não conseguem se sustentar porque são péssimos em negócios, e sua arte definha pela sua incapacidade em da arte tirar seu sustento. Por outro lado, existe uma nova leva de empreendedores que está se apropriando do fazer artístico para dar novos sentidos aos seus negócios, muito além do lucro. Empreender não é arte, mas é uma maneira legítima de se exprimir.

Uma das melhores coisas em se empreender, e falo de cátedra, porque já materializei mais de 20 negócios, é colocar algo seu para fora. Criar. Você gozar o gozo da criação, que tem a ver com desejo, libido, catarse, epifania, mas não necessariamente com sexo, algo que antes era apenas reservada para os artistas. Quem já gozou criando não se esquece da sensação jamais.⁠

⁠Ao longo dos anos, me especializei em montar palcos para artistas expressarem sua visão de mundo. Nunca quis o palco para mim, sempre achei muito mais interessante os bastidores, criar o melhor palco possível para que estes humanos especiais mostrassem quão bela é nossa espécie. ⁠

Existe pouca coisa mais potente do que se dar conta de que, ao você montar um negócio, ele deixará de ser seu e passará a existir dentro de outras pessoas, seja por relações de afeto, seja por ódio ou indiferença; por meio dele você influenciará a vida de alguns humanos, assim como alguns palcos montados por outras pessoas influenciaram também meu caminho.⁠ Em suma, você criará memórias e permitirá que outros humanos não só acessem seu mundo interior, como também acessem as criações de outros humanos. O melhor de empreender é gozar com a sua criação.⁠

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Facundo Guerra

Engenheiro de alimentos, jornalista internacional e político, mestre e doutor em Ciência Política pela PUC-SP, diagnosticado empreendedor aos 30 anos de idade.